regras do jogo
a comichão na alma, a mesma que se perde de vez em quando. os trajectos conhecidos. os dedos largos e compridos e as viagens proibidas.
Quando voltas? quando voltam? quantos somos? quando vou?
Esta ansiedade que conheço tão bem e que estimo como uma nódoa enquanto o futuro não espreita e não sei acertar relógios. Esta insónia devagar que me consome os olhos como uma traça a tornear a lâmpada, dando-lhe forma de sombra na luz. Horas de palavras aos litros sem dó nem a piedade de quem se despede do rio, horas aos tiros pela rua adentro, rua acima, rua dentro do túnel.
Tiraste-me horas de hoje como qualquer tirano cego que não consegue evitar sorrir nem partilhar a saudade. Tiraste-me os nomes e trocaste-me por outros nomes. Tiraste-me a ânsia dos poemas que escrevia enquanto asfixiava. Tiraste-me o problema do amor do fundo enrodilhado da garrafa e dobraste-o em quatro antes de o meter no bolso. Tiraste-me o dilema dos olhos encerrados que olham discretamente para a boca tímida que desenha o desejo impossível. Mas eu sei o que me deste. Sei o que me disseste enquanto não me calavas. Sei o que escreveste naqueles dias à pressa de chegar. Um pedaço de um arriscado plano para a mudez. Uma lâmina colorida na imensidão da música. Um resto de tempestade na solidão do labirinto.
(imagem: William Turner,
Peace, Burial at sea)