A moda de compaixão e de penitência num canto escuro de descobrimento. à moda de boa intenção e de desejo reciclado e de uma soberba momentânea. à moda de uma contemplação clandestina de uma mancha negra num quadro branco num quarto à moda da meia-luz da madrugada. à moda de uma susceptibilidade enfraquecida, de poucas convicções e de uma longa mentira à moda de promessa. à moda de gavetas mal fechadas e de frases mal construidas, de palavras curtas de memória curta, de voltas e voltas de procura numa arena, de um sorriso de chegada, de um sorriso de partida.
assim o ser se vai encolhendo na temperatura, na aridez desconexa e na vitalidade de um passado longo de um futuro longo. tudo isto numa figura geométrica como um monstro cubista. tudo isto com um arrepio na pele como uma pelagem verdadeira. tudo isto assim num dia depois do outro em que as pessoas se unem pelos ritmos químicos como intensos segredos ou dogmas maníacos. assim o ser vai sendo, vendo a cabana a construir o lobo mau, vendo o fumo a construir o auto-de-fé, vendo a miragem contruir o deserto e a própria sede. e a sede. e a imensa sede... como não deixar a língua deslizar para recolher o conhecido cheiro e a invísivel gota de suor? como não beber se a sede é tanta? o corpo tomado em memória do mesmo corpo, como um pequeno livro de horas e misérias. assim o ser vai lendo os soluçados capítulos, em busca do graal, em busca de vingança, em busca do assassino, em busca do pai ou da mãe há muito perdidos, em busca da chave, da justiça, de uma resposta, do conhecimento de uma narrativa aberta. na busca do fim o ser se vai enrolando no canto das páginas, sublinhando-se na real metáfora das ideias. não há tudo isto como uma conta certa. não há tudo isto como um número redondo, uma simetria, uma ritualizada dimensão serena. não há tudo isto na imensa biblioteca do corpo, uma alexandria suspensa como um farol de pirâmide. é a sede, e a fome, e o descanso morno em cima de um braço sem pinga de sangue.