eggshell
descobri há pouco tempo que as ampulhetas (aqueles objectos curiosos e anacrónicos para a medição de um tempo virtualmente finito debaixo da mão humana) não são feitas de areia mas antes de cascas de ovo, esmigalhada em pó.
penso na fragilidade da medição do tempo e na fragilidade do ovo e penso também na vida que se esconde em cada casca, em cada concha, às vezes até nascer, às vezes a vida inteira. como a nossa pele é uma concha bela que nos aconchega e nos trai, tão frágil, uma membrana entre o ser e o mundo.
e a concha desabitada anda ali ao sabor das marés durante milénios, até se transformar em pó, areia fina debaixo dos pés, ou um belo colar de madre-pérola, ou um recreio de peixes pequeninos. há semelhanças entre todas as conchas, todas as cascas, por mais frageis ou mais duras que sejam: reduzem-se a pó na continua existência.
as estrelas, como o sol e todas as outras que fazem desenhos no céu à noite (ou só na nossa imaginação) são feitas do mesmo material que nós. somos todos pó de estrelas. quando se diz que "do pó vieste e ao pó voltarás" já se está a fazer ciência e filosofia. e esse pó será depois (e também) uma estrela ou uma concha, ou uma casca de ovo ou o mar ou uma mão humana, bela, que revolve a ampulheta mais uma vez para continuar a imortalizar o tempo.
existencialismo? sim, por favor, de preferência com sal e pimenta,
ou num belo colar de madre-pérola.
o mundo é a minha ostra.