City of silence
esta cidade não fala, sussura. não grita, remoi o tempo e as indisposições. tem medo sabe-se lá do quê. de ser vista, de ter ideias, de cantar. esta cidade esconde-se e esconde os seus habitantes em muralhas de palavras que agem como silenciadores. tem carisma de polícia secreta. tem habilidade de arranca-línguas. tem aspirações a criar coisas a partir do nada e a branquear as suas conquistas. nesta cidade as coisas confundem-se e perdem a sua natureza. nesta cidade as naturezas são idênticas e no entanto crescem separadas. nesta cidade tudo se encontra e tudo se recusa. esta cidade baralha-me a vida. a minha vida perdeu-se para sempre quando se recriou neste insondável mistério de cidade.
perco as palavras aqui. deixo de falar verdade porque não quero contrastar com a imagem que fizeram da minha verdade e da verdade de mim. já nem quero saber. já só quero a paisagem. o resto que se move, indissociavel do que fica, já não me fala, não me grita. esta cidade-asilo, cidade-louca, cidade-bruta embrulhada em celofane e colete de forças. já só quero os seus estrangeiros e os seus párias. tudo o resto derrete-se-me nas mãos até à amalgama de gritos tolos. tudo o resto mina-me a sanidade ausente. retira-me as provas. o som não se propaga no vácuo.
uma faca em cima da mesa. baixo o volume. se me ouves, acena, tu que és cego.