galáxias como grãos de areia
Hoje enfiei a mão dentro de um pacote de batatas fritas que estava em cima da mesa da sala. Não tinha batatas. Tinha fósseis, restos de pequenos seres do passado disfarçados de lascas de raizes nocivas e invenções descartáveis.
os deuses protegem-me a casa, um buda em pedra da india protege a janela, uma espécie de duende da amazónia, em cabaça, penas e sementes guarda-me a porta, uma outra espécie de duende colorido em madeira, mexicano, comprado no "el buen amigo" e oferecido em território partilhado por espíritos indios e irlandeses, abre-me os braços.
os elementos estão comigo, o som e a dança, o tempo e o espaço, de enormes e disformes, estão distribuidos em moléculas e átomos que me metem um passo diante do outro, tão certo como o sol nascerá amanhã. às vezes muito, às vezes demais.
às vezes calo-me em reverência perante o vento, a neblina da madrugada, a água salgada, o mocho que caça por cima da minha cabeça, Bastet que dorme enrolada no meu sofá, esperando o próximo ciclo de morte e ressurreição. emociono-me frequentemente com ficções, o suficiente para ficar de olhos molhados, sorrindo e contemplando escondida a sua beleza. muito maior do que eu, todo este redor participa numa saga teológica onde a minha memória é o centro, o principio e o fim, a experiência organizativa, o espírito do caos.
estas mitologias que habitam a minha sala, as minhas muitas salas, traçam nos seus segredos a Arvore da Vida, e deixam-me habitar a sua história como se fosse minha. eu também lhes guardo a casa.