Morning Blue (4 a.d.)
Não há como este fumo da manhã, entre a devoção e a fantasia, cinzento e azul como as lágrimas depois do fogo. Não há mais, e há sempre muito mais, do que tributos de manhã pensados e sentidos e coincidentemente levados na criativa idade que não se contem vida por muito mais tempo, pois foi sempre em parte morte e noutras partes, gravíticas como a maré, solúveis e salinas, uma saudade mítica e uma vontade de submergir, una com essa manhã depois da noite reveladora.
Um rasto de lembrança num sobretudo preto que esconde uma multitude de cartas nunca enviadas para uma data de personnas que nunca existiram, e que de facto nunca morrerão, e que nos fazem tanta falta, principalmente na manhã solarenga de inverno em que é preciso (mais uma vez) sobreviver.
once
Basta saborear a terra. não basta enganá-la uma vez e outra mais. não chega tomá-la à força nem forçar o passo. querer que se arraste em barro pelas mãos e pela cara e tornar-me fogo e forma. envergá-la no copo e estendê-la às ondas. montar sobre ela uma luz e desviar os fados. e restar as cinzas em qualquer lado, porque restam sempre cinzas da viagem, da linguagem e do fogão.
Saborear o gesto. do degrau que se move debaixo do pé, da mão que foge com o cigarro e da boca que foge do fumo, do entalar o lençol novo e do encenar o adeus, do encetar o maço, do estalar a rolha. mesmo com a boca morta, porque ela morre sempre que o sabor se esquece.
Daria a mão à saudade mas já me custa parar às portas, e então sigo, sem memória. Vejo-me na imaginação turva do caminho, inventando canções nas encruzilhadas, das quais me esqueço sempre da letra, mas cuja melodia não cessa, como uma sombra. procuro o cheiro do medo por entre as esquinas, já com o saco aberto numa mão e a mordaça na outra, à espera de um passo em falso para a gaiola branca. a memória que me faz má caçadora também me faz má presa. e deixo as palavras soltas nas soleiras das portas e sigo não lembrando os poemas, mas com o coração cheio de música.