sagesse
Largou tudo para andar em torno da rotunda. às vezes apagava-se e questionava o círculo e a espiral. ponderava o fim do mundo que ali começaria, no centro geométrico daquela figura bidimensional. às vezes esmagava-se e andava mais rápido, tentando acelerar a rotunda. contudo, o passado era o mesmo, sempre que por ele passava. à tontura opunha a ousadia. à náusea, a dor. conversando e inventando umas palmas para acompanhar a música, notava as paletas ligeiramente incoerentes do crepúsculo e da aurora. estancava num ponto apenas para assistir a um acidente molecular. pelo caminho espalhava umas migalhas para poder apanhar os pássaros, ou para ter que jantar. levantava-as às vezes, de costas, quando lhe parecia apetecer um pão. nunca se sentou. supunha com medo que, se o fizesse, o tempo pararia para sempre, e que quem por ali passasse, rodeando a rotunda, pudesse achar que aquela que ali estava sentada nunca se tinha atrevido a andar.
sweet and sour nothing
nesta falésiadeixo tudo que nada me serve. porque tenho que saber e tenho que sentir quando não sinto nada e nada sei. deixem-me em paz, vocês que tudo sabem e fazem e tudo sentem. tudo encontram e tudo escolhem. e tudo podem destruir e eu não que nada construí. vós que tendes o mundo certo e a melhor maneira de eu o viver. que já viram a luz onde eu ando à procura da fogueira. deixem-me em paz na deriva ou no abismo para onde nunca vou saltar. deixo-vos tudo e não quero saber. do ovo e da molécula. fiquem com tudo o que sabem de mim. já não consigo aprender. já não quero mais nada. um principio e um fim que não desvendo.
nesta falésia,em todos os minutos
de todas as horas
de todos os dias
vocês não estão.
another night in
as paredes não dilatam no som da noite. abandono o quarto e alinho os incensos.
entre a morte e a vida, as pragas e o parto natural, a fome e a gula, a solidão e a incansável invasão quadrada. não me atrevo a ligar mais fichas, a puxar mais fios. há sempre o caixote do lixo a dizer-me o que não devo reciclar. movo-me demasiado à vontade mas os anos andam por aqui, roçando-me nas pernas e pedindo-me que os faça belos.
encosto-me a um canto da sala e anseio por uma cerveja. regulo a temperatura das horas e fixo por detrás da porta a cama vazia. deixa-te estar. foge para o outro lado e espera que não te vejam. queria menos, menos.
espaço, espaço. queria uma arrecadação escura a servir de sarcófago para dias sem serventia. mãos que só servem para queimar as teclas com destreza. já não danço e o chão está limpo. posso começar de novo? nestes diários sem causa já só poisa o pó da inutilidade. estou como esta casa, cansada, esquecida e cheia de truques e manhas, onde o passado já não interessa nada. alegro-me pelas alegrias e bebo água, salpicando a cara e simulando lágrimas frescas e doces.
queria menos, menos, ainda menos.
isto pesa, e ainda é cedo.